17 de Outubro de 2011

17 de Outubro de 2011
na UNIRIO

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

ECOLOGIA E MATERIAL ESCOLAR

Miriam Langenbach

fevereiro de 2000


A ecologia tem uma amplitude que nos surpreende. Geralmente a associamos com a natureza, vivida como algo distante. Percebemos, aos poucos, como ela está presente, de modo sutil nos mínimos detalhes de nosso cotidiano. Como nos alimentamos, cuidamos de nossa saúde, de nossos afetos, a participação como cidadãos, nosso consumo, tudo tem a ver com o meio ambiente.
A ecologia nos remete à nossa mentalidade, visível através de comportamentos, hábitos, prioridades. Como assinala Nilton Bonder, quando pensamos em ecologia não se trata apenas de uma situação emergencial e sim de algo do reino do sapiencial, isto é, onde está em jogo a sabedoria. Uma sabedoria constantemente testada, em que estarão visíveis as prioridades e os valores. Trata-se de uma sabedoria atenta ao alcance para além do imediato que passou a ser predominante como prioridade nossa de cada dia.
A rigor, o período em que vivemos se caracteriza ideologicamente pela adesão ao neoliberalismo e sua lógica de mercado marcada pelo aqui e agora, despreocupada das conseqüências. Como contraponto há o envolvimento com a ecologia no sentido amplo de que estamos falando, que busca repensar nossa realidade sob outro prisma, no qual a sabedoria, no sentido de um respeito e cuidado pelo global e local que nos cerca, tanto do ponto de vista historicamente (cadeias de gerações para frente e para trás), seja geograficamente, seja o foco maior.
Chamamos atenção sobre essa questão para pôr em discussão o papel da escola, espaço diariamente visitado pelas novas gerações durante muitas horas e anos. É lá que as mentalidades serão forjadas, a partir da convivência entre pares e com o mundo docente. Mais do que as informações, vai estar em jogo a aquisição de hábitos, posturas, modos de acreditar na vida. É ali que poderá ou não ser desenvolvida a sabedoria que vai possibilitar um melhor preparo para enfrentar os desafios vividos pelos novos tempos. A escola tem a grande vantagem, sobre a televisão ou o computador, de ser algo vivo e ao vivo, não virtual, em que a interação e o diálogo concreto estão presentes a cada momento.
A partir deste tipo de constatação, aspectos que parecem secundários no mundo escolar passam a ter um papel significativo na formação das mentalidades, e é nesse sentido que gostamos de fazer algumas considerações sobre o material escolar.
A crescente lista de material didático e paradidático denota o incentivo ao desperdício, explicitando claramente a despreocupação com um pensamento ecológico que preza a simplicidade e a consciência da limitação dos recursos terrestres. Ao contrário, quanto maior o detalhamento e a sofisticação, melhor. O que se está ensinando é a adesão a um novo desnecessário, mantendo a negação do ciclo que cada produto tem que percorrer para chegar a nós e posteriormente ser devolvido à terra. De que adiante aprender muitos conteúdos que mostram a poluição, a destruição que o ser humano está causando, se na prática o que ensinamos a fazer é exatamente isso? Onde fica a preocupação com o cuidar?
A descartabilidade crescente dos livros didáticos está exatamente dentro de uma lógica de obsolescência planejada, que vai incutindo em todos um frisson com o novo, e um não querer saber do velho, que se encaixa perfeitamente na destruição que em teoria é criticada. Parece que há um conluio do mercado editorial com o mundo escolar, buscando explorá-lo à exaustão. O lucro e o imediatismo são as tônicas, dentro do paradigma neoliberal. As relações, as práticas, falam mais alto do que as palavras. Reforça-se assim a dissociação entre o mundo das palavras e dos atos, afastando-se da sabedoria.
O mesmo acontece com o merchandising dos livros didáticos, questão tratada com uma simplicidade preocupante. Não convence o argumento de que essa é uma forma de contextualizar os alunos com sua realidade, porque há inúmeras formas de situá-los sem que se tenha que nomear produtos. Ao contrário, essa deve ser uma oportunidade de discutir o fenômeno do consumo, tão característico de nosso tempo, apontando suas seqüelas e alertando os jovens consumidores, tão avidamente trabalhados pelo sistema televisivo. Sem dúvida, formal ou informalmente, a educação para o consumo é algo que deve ter maior presença no mundo escolar, no sentido de instrumentar crianças e jovens para consumir o mínimo, e da forma mais consciente e correta possível. Ao introduzir o merchandising nos livros didáticos, o mundo escolar se alia ao mercado, se torna seu porta-voz privilegiado, pois “ainda” desfruta de uma aparente neutralidade.
A escola é um dos espaços, juntamente com o familiar, para discutir o consumo e sua redução, buscando práticas concretas de enfrentá-lo, valorizando o reaproveitamento que se coloca como uma forma significativa de trabalhar a mentalidade consumista. Então os livros deverão ser reaproveitados ao máximo, assim como os cadernos e demais equipamentos.
Nesse circuito, cada diretor, professor, funcionário, pais e editores, a partir de se aperceber de seu papel, deverá fazer sua parte, no sentido de se contrapor a esse tipo de tendência. Isso significa ousar partir para novas antigas práticas (lutando pela redução das listas, estimulo à troca, sebo de livros, confecção de cadernos reaproveitando folhas não ou pouco usadas, utilização de materiais ecológicos). Assim estaremos assumindo claramente nosso papel ideológico, através desses aparentes pequenos detalhes cotidianos. Comprar essa briga não é fácil. Mas vale a pena.

Palavras-chave: CONSUMO; DESPERDÍCIO; ECOLOGIA; LIVRO DIDÁTICO; MATERIAL ESCOLAR; PRESERVAÇÃO AMBIENTAL; REAPROVEITAMENTO.

Sobre o autor: Míriam é professora de Psicologia e coordenadora do PVE, Programa de Vídeos Ecológicos da PUC-Rio.

Contexto de Produção: Artigo publicado no Jornal do Brasil, em 24/2/2000, por ocasião do ínicio do ano escola, quando a mídia aboradava a insatisfação das famílias em relação à quantidade excessiva e o alto custo do material. Rio de Janeiro/Brasil.

Produtor/Contato: redehumanidadecrianca@grupos.com.br

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